Little Brazil: o desaparecimento do 'coração brasileiro' em Nova York

  • 11/11/2025
(Foto: Reprodução)
Milhares de pessoas percorrem a Rua 46, em Nova York, durante o festival de rua Brazil Day, em 5 de setembro de 1999 Bernie Nunez/Getty Images Quando se pensa em bairros de imigrantes em Nova York, é fácil que Chinatown e Little Italy venham à mente. Mas entre as décadas de 1980 e 1990, borbulhava ali também um pedaço do Brasil, concentrado em uma quadra da 46th Street — ou 'Rua 46', entre a Quinta e a Sexta Avenida. O lugar ganhou o apelido — e mais tarde, o nome oficial, com uma placa instalada pela prefeitura, — de Little Brazil (Pequeno Brasil, em português). A história da 46th Street começou como um caldeirão econômico e cultural. Entre lojas de eletrônicos, joalherias, lojas de discos, restaurantes servindo feijoada e caipirinhas, e até uma agência do Banco do Brasil localizada por perto, o entorno funcionava como uma vitrine da cultura brasileira e como um ponto de encontro para turistas e imigrantes. Mas hoje já não é tão comum ouvir português brasileiro nas ruas e sentir o cheiro de pão de queijo ou coxinha saindo das cozinhas. 📱Baixe o app do g1 para ver notícias em tempo real e de graça Veja os vídeos que estão em alta no g1: Veja os vídeos que estão em alta no g1 LEIA MAIS: A controversa e deslumbrante região da China que virou refúgio turístico Veja 8 destinos turísticos no Brasil que serão tendência em 2026, segundo plataforma Fases boas e ruins Em 1984, mesmo antes do quarteirão ganhar o nome oficial de Little Brazil pela prefeitura, os primeiros sinais de declínio já apareciam. O jornal New York Times publicou uma reportagem intitulada "Crise da dívida latino-americana atinge a 'Rua Brasileira' de Nova York". 'Crise da dívida brasileira abala um canto de Nova York' dizia a manchete do jornal Arquivo New York Times O texto apontava que as dificuldades na economia brasileira — com inflação acima de 200%, recessão e a maior dívida externa do mundo — estavam sendo sentidas até na Little Brazil, onde o movimento de turistas e comerciantes brasileiros despencava. À reportagem, Jaime Felzen, dono da loja de eletrônicos Brasil Som, contou que, entre 1981 e 1984, suas vendas caíram 90%, o número de funcionários passou de 15 para 5, e quase toda a área de estoque havia sido transformada em escritório. O jornal relatou que, enquanto clientes da alta classe ainda visitavam a rua, a classe média, que formava a maioria da clientela, havia parado de viajar para Nova York. "Esta é uma parte de Nova York que depende mais das decisões econômicas tomadas em Brasília do que das que vêm de Washington", disse à época ao NYT Jota Alves, editor do jornal comunitário The Brasilians. Abrão Glikas, dono da Bertabrasil Butik, uma loja de eletrônicos e roupas, também já lamentava: "Era uma época que me dá saudade. Só se falava português, de uma ponta da rua à outra." Placa dizendo 'Little Brazil' na rua 46 foi colocada depois de 1995 Getty Images via BBC A reportagem do jornal local também destacou os detalhes que tornavam a rua tão brasileira: "Para matar a saudade, era possível ouvir discos de bossa nova nas lojas de música, comprar edições da Seleções do Reader's Digest em português, ver as cores verde e amarela da bandeira brasileira nas vitrines e levar a família para uma tradicional feijoada de sábado à tarde." Luís Gomes, dono do restaurante Via Brasil, lamentou ao jornal na época: "A rua nunca mais vai voltar a ser o que foi." Mais de 40 anos depois, no fim de setembro de 2025, a reportagem da BBC News Brasil encontrou com Luis Gomes, que disse algo parecido enquanto preparava um coquetel no bar do Via Brasil, que comanda desde 1978. Luis Gomes no bar de seu restaurante, Via Brasil Giulia Granchi/BBC "Ah, não tem comparação. Naquela época existiam grupos de colégios que vinham para compras, ônibus de turismo, era uma época totalmente diferente", lembra Luis. "Existiam muitas boutiques brasileiras, clubes… mudou muito daquela época para cá. Infelizmente, uma mudança drástica. Não creio que vá voltar." O restaurante Via Brasil é hoje um dos poucos sobreviventes daquela época de ouro. "Ainda mantemos uma boa clientela, mas os anos 90 eram muito mais agitados", diz Luis, com nostalgia. Fotos na parede e lembranças de clientes antigos mostram um espaço pulsante, referência para quem queria sentir um pedaço do Brasil fora do país. Além do restaurante de Luis, a presença brasileira ainda perdura com um outro restaurante e poucas lojas que resistem à especulação imobiliária e à transformação acelerada da cidade. O pugilista brasileiro Acelino 'Popó' Freitas com sua então esposa, Eliana Guimarães, no restaurante Via Brasil em 2002 Getty Images A antropóloga Maxine Margolis, autora do livro Little Brazil, estudou a comunidade brasileira em Nova York desde o início dos anos 1990. Segundo ela, a presença brasileira na 46th Street estava mais voltada para turistas do que para imigrantes residentes. "Na época, havia muitas lojas de eletrônicos. Brasileiros vinham à 46th Street para comprar televisões e outros produtos, que eram muito mais baratos nos EUA do que no Brasil. Isso mudou porque muitos desses produtos começaram a ser produzidos no Brasil, e não havia mais necessidade de importar. Aos poucos, as lojas fecharam, e a presença brasileira na rua foi diminuindo." A pesquisa de Margolis também aponta fatores estruturais que contribuíram para o desaparecimento do bairro. A construção de grandes prédios comerciais, hotéis e empreendimentos de luxo elevou drasticamente os aluguéis e prejudicou pequenos negócios. Capa do livro de Maxine L. Margolis, publicado em 1993 Divulgação "Nova York está sempre mudando. Mas houve muita construção de grande porte que prejudicou os pequenos negócios, incluindo os brasileiros", explica a antropóloga. Em seu livro, Margolis trata o Little Brazil como um "ponto de encontro", mas traça um perfil mais amplo dos brasileiros vivendo na cidade. Ela descreve um grupo de imigrantes que não está fugindo de pobreza extrema nem de repressão política, mas que enfrentavam "condições econômicas caóticas no Brasil que dificultam a manutenção de um padrão de vida de classe média". Sua descrição aponta que apesar da educação (parte deles com diplomas universitários) e da origem social (de classe média e média baixa), muitos, com pouco inglês e sem documentos de trabalho, acabaram aceitando empregos pouco qualificados após chegar aos Estados Unidos. Mapa por Caroline Souza, da Equipe de Jornalismo visual da BBC News Brasil BBC News Brasil/Reprodução 'Brazil Day': a festa de rua O Brazil Day em Nova York celebrado em 2016 Getty Images Além da movimentação diária, a quadra da Rua 46 foi o palco do nascimento de uma das celebrações mais emblemáticas da comunidade: o Brazil Day. A festa, realizada todos os anos em setembro, reunia milhares de pessoas —imigrantes brasileiros, americanos e turistas interessados em experimentar a culinária, os produtos e os ritmos nacionais. Ao longo dos anos, grupos como Babado Novo, Calypso e outros artistas participaram do desfile e das feiras de rua. "A festa era talvez a mais importante, não só da comunidade brasileira, mas também para americanos e para a colônia espanhola. Era maravilhosa", recorda Gomes. A comemoração já soma 38 anos. Segundo o site oficial do evento, "em 2013, segundo dados do Departamento de Polícia de Nova York (NYPD), cerca de 1,5 milhão de pessoas estiveram presentes no Brazilian Day, lotando uma área de 25 quarteirões durante todo o dia". Mas no ano de 2025, o Brazil Day não aconteceu - segundo o site, por "diversos obstáculos". Feira de rua na '46th Street', ou, 'Little Brazil' JT Milanich/BBC News Brasil Astoria: o outro polo brasileiro em Nova York Mesmo nos anos de auge da chamada "Rua Brasileira", muitos comerciantes e trabalhadores que atuavam na 46th Street moravam longe dali — em bairros mais tranquilos e acessíveis, como Astoria, no Queens. O custo de vida era bem mais baixo que em Manhattan, e a região começou a concentrar famílias brasileiras em busca de aluguel mais barato e de uma vida de bairro, próxima a outros imigrantes. "A 46th Street era importante para os turistas, mas acho que foi menos importante para os imigrantes que viviam em Nova York", explica a antropóloga Maxine Margoli. "Se você visitar Astoria hoje, ainda há muitos brasileiros." Segundo Margolis, o bairro se destacou justamente por acolher os que se estabeleceram de forma mais permanente. "Há um grande supermercado brasileiro com todo tipo de produto — opções que te fazem pensar que você poderia muito bem estar no Brasil. Tem desde sabonetes e detergentes até carnes e ingredientes para feijoada", conta. Além disso, segundo a pesquisadora, os restaurantes e lanchonetes de Astoria sempre foram mais acessíveis que os da 46th Street. "Muitos brasileiros achavam os restaurantes da 46th muito caros. Em Queens, havia os de comida a quilo — mais simples e acessíveis." De acordo com dados do U.S. Census Bureau (American Community Survey, 2020), Astoria tem cerca de 37% de população imigrante. Hoje, estabelecimentos como o restaurante Copacabana e o mercado Rio Market seguem como pontos de convivência — símbolos de como a presença brasileira se espalhou e se reinventou fora de Manhattan. Resquícios verde e amarelo em Manhattan Andando pela Rua 46 em setembro de 2025, ainda era possível encontrar resquícios da nostalgia brasileira. A loja Búzios, por exemplo, não tem placa ou nada que indique sua existência para quem passa despercebido pelo quarteirão. É preciso chegar perto de um interfone em um prédio estreito para ler o nome e tocar para que a porta seja aberta pela dona, Marcela Ferreira. E mesmo "escondida", a Búzios continua atraindo clientela — tanto fiel quanto nova. "Nosso espaço é limitado, então busco ter um pouco de tudo que os brasileiros mais sentem falta: pão de queijo, requeijão, guaraná, bombons e brigadeiro. Coisinhas que remetem ao Brasil", conta a proprietária. Quem mais compra, segundo ela, são, claro, os brasileiros que sentem falta de casa. "A gente compra saudade. Eu pelo menos detesto quando muda a embalagem, parece que já não é mais a mesma coisa. As pessoas querem a experiência que tiveram quando eram crianças", explica. Produtos expostos na loja Búzios Giulia Granchi/BBC "Mas também tem quem já teve companheiro brasileiro, experimentou algo e quer continuar consumindo, tem famílias que tiveram filhos aqui e querem passar um pouquinho de como era a vida no Brasil..." Biquínis e chinelos Havaianas também fazem sucesso entre os clientes estrangeiros — e até livros infantis e gibis da Turma da Mônica conquistam os americanos. "Vendo bastante para adultos que estão aprendendo português e precisam treinar a leitura com uma linguagem fácil", diz. A história do bairro é também marcada por pioneiros que ajudaram a consolidar a presença brasileira. Segundo Margolis, a inauguração da placa "Little Brazil" na esquina da Quinta Avenida com a 46th Street foi resultado da ação de um imigrante de Minas Gerais que convenceu o prefeito de Nova York a oficializar o reconhecimento. Além disso, a proximidade com o Diamond District atraiu brasileiros envolvidos na comercialização de pedras preciosas, como ametistas e água-marinha, fortalecendo o comércio local. "Os brasileiros sempre tentaram se diferenciar de outros imigrantes latino-americanos, especialmente os de língua espanhola, que muitas vezes eram estereotipados como mais pobres ou menos educados. Havia um senso de comunidade e de identidade própria", diz Margolis.

FONTE: https://g1.globo.com/turismo-e-viagem/noticia/2025/11/11/little-brazil-o-desaparecimento-do-coracao-brasileiro-em-nova-york.ghtml


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